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quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Nós

Como um jogo de opostos,
eu e você, justapostos,
(im)perfeita simetria:
eu sensível, você seco;
você esfria, eu fervo;
você paz, eu agonia.                                                            
Como um jogo de amores,
eu e você escritores
de um romance ruim:
ela entrega, ele ocluso;
ela evidente, ele oculto;
ele não sei, ela sim.
ele sorriso, ela tristura;
eu peito aberto, você armadura;
você prosa, eu poesia.
ele dúvida, eu certeza;
você escuro, ela clareza;
eu verdade, você ironia.
eu coração, você pensa;
ela perdão, ele ofensa;
ela infinito, ele fim.
você agre, eu doce;
ela ficou, ele foi-se;
separados e juntos assim.
ela insiste, ele nega;
eu inteira, você parcela;
eu escrevi, você não leu.
ele desapego, ela vontade;
você distante, eu saudade;
você ele, ela eu.






quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Abstrato

o inteiro incompleto
do abstrato que sinto - o amor -
contempla a ausência do recíproco:
cumpre mal (e solitário) o dever de dois.

coexiste com o próprio vazio,
sabotando o próprio êxito:
se por essência é companhia,
paradoxo de si mesmo,
invade o espaço de outrem
- e abeira-se à solidão.

o insucesso de sentir sozinha
traduz-se em pura poesia, 
preenchendo o oco frustrante
da culpa - que me recaía -
por não bastar para mais de um.










sexta-feira, 4 de julho de 2014

Clímax

Eis que a distância,
Torturante que só,
Se posta entre nós:
E os meus olhos perdidos
Procuram o verde-azul atraente dos seus
(para me instigar).
Eis que a saudade,
Insensível, sem jeito,
Invade meu peito:
E as minhas mãos vazias
Esperam o toque amável das suas
(a me acariciar).
Eis que a vontade
Incessante, crescente,
Perturba minha mente:
E meu corpo aqui, longe,
Deseja entrelaçar-se com o seu
(para a gente se amar);
E o reencontro
Ardente, conciso,
Nos provocará a libido:
Na troca de olhares,
No toque das mãos.
E no calor de um amasso,
Intenso, devasso,
Me entregarei a você:
Faremos amor com paixão;
E com amor nós seremos prazer.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Contradição

Nunca vi
Olhar mais sem brilho
Nem sorriso mais triste.

Nunca a vi
Tão entregue aos tormentos
Da sua angustiada psique.

Nunca vi
Um tão esgotado corpo,
Que mais parece doença...

Nunca a vi
Tão desgostosa da vida,
Assinando a própria sentença:

Autocondenando-se a uma vida insípida,
Com um viver quase mecânico
Apenas por viver, e só.

Valendo-se de falhos disfarces
Para esconder inquietudes da mente
Pra ninguém se assustar nem ter dó:
                   se assustar com ideias tão mortas
                                     nem ter dó do quão forte é a dor.

Nunca a vi
Ainda assim, tão forte,
Tão audaz frente às próprias fraquezas.

Nunca vi
Alguém frágil e tão fria:
Dois extremos, mas com sutileza.

Nunca a vi
Tão ela, tão esplendidamente:
Serenidade e desassossego...
Contradição, definitivamente.

domingo, 11 de maio de 2014

Biografia de alguém sem nome

Despencou do seu altar ainda cedo
Teve seus sonhos despejados na calçada
Aos dezesseis ela já estava perdida
Em um céu roxo que já não cantava nada.
Agora, aos vinte, ela não sabe aonde vai
Anda perdida, andeja em busca de paz
Pra aliviar os cortes que ardem no seu pulso,
Pra se livrar da dor que inevitavelmente atrai.
Vive numa sombra que é pintada de cor negra
De cor negra como a cor dos pesadelos
Evita o mundo, se esconde de si mesma
Sufoca os gritos do seu próprio desespero.
Avalia as unhas pintadas de medo
Contando os dedos encolhida no escuro:
Só mais um sedativo, está na hora de dormir:
se apaga a luz que vem dos seus olhos vermelhos.
É uma estranha que conversa com as paredes
Que ri e chora ao mesmo tempo em seus delírios
Procura a morte (o seu anelo alienado):
Seu universo se resume ao suicídio.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Amor unidirecional

É tarde.
 “Talvez a noite seja pra pensar,
E não pra dormir.”
Minha casa vazia está cheia
de lembranças de você.
Eu, ainda acordada,
porém utopista que sou,
levada por meu desatino
em minha porta te imagino
enlouquecido de anseio por me ver.
Nada! Só devaneio:
Iludi-me com o meu querer.
E o meu pensamento teima,
Como quem não aceita abandono,
Em reviver os instantes mais “nossos”
Em que éramos eu, você e só:
sem outras pessoas por perto,
sem as coisas ao nosso redor,
sem o “antes” que pesa entre nós
nem o depois da saudade sem dó.
Somente dois corpos se amando,
num intenso e sobejo desejo
sem medo, sem culpa, sem fim.
Nossos olhos transbordando sentimento
Sufocado por culpa não nossa
Despertam juízo em mim:
É insensato querer-te comigo,
Mas não que isto seja mau:
Descobri que nosso amor só funciona
na horizontal.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Passamento

Seu corpo padecia
(Entre frias paredes pintadas
Em um tom de rosa pálido,
Sobre um chão de cor cinza
Rijo, imundo, esquálido)
Ignoto e amargurado
Pelos pesares da vida.
Perdida em reminiscências
De um passado errôneo
Com seu o olhar lúgubre,
Afogada em lágrimas,
Sem palavras implorava
Para si o auto-perdão:
Carregava toda a culpa
De um não-crime sem culpados
De um destino complicado,
Sem dó, sem compaixão.
Sua alma quase entregue
Ao definhamento do corpo,
Agarrava-se aos vestígios
Diminutos, cruciantes,
Do seu grande amor perdido.
Entretanto sem remorso
Sua dolência fez triunfo:
Arrancou da frágil moça
As memórias, os sentidos
(Sozinha e sem indulto
Morreu de coração ferido).